sexta-feira, 6 de setembro de 2019

“Tu, pensamento, não és fogo, és luz!"



1. O terremoto de 1755 e a produção intelectual portuguesa

Para se compreender a nostalgia que beira a literatura portuguesa, recorde-se fato aparentemente desconexo: a fúria e a ruína do grande terremeto de Lisboa de 1755. O primeiro abalo sísmico atingiu Lisboa na manhã de 1º de novembro de 1755 – Dia de Todos os Santos. 
Minutos depois, outro abalo ainda mais intenso arrasou a cidade seguido por um terceiro. Em quinze minutos, Lisboa foi destruída. Então, um tsunami levou milhares de pessoas. Um vento inexorável espalhou focos de incêndio provocados pelos tremores. Tudo isso, até hoje, reflete na literatura portuguesa. 
Voltaire, Pope, Kant e Rousseau fizeram do acontecimento veículo para expressar as ideias iluministas, o que já se aproxima do realismo literário. O terremoto, literalmente, balançou as matrizes intelectuais e religiosas da época. Desafiou reformas sociais, econômicas e planejamento urbano. Eis antecedente histórico relevante à compreensão do movimento literário intitulado Realismo em Portugal. 

2. O Realismo português

Inicia-se em 1865 com a “Questão Coimbrã” e começa a esmorecer pelos idos de 1890. O movimento reflete o pensamento da suposta elite intelectual do país - insatisfeita com o clero e com a monarquia. É um período de agitação política, social e cultural. 
A “Questão Coimbrã” envolveu jovens estudantes de Coimbra atentos às novas ideias vindas da Alemanha, França e Inglaterra. Também intitulada de “Questão do Bom Senso e Bom Gosto”, representou a polêmica travada - em 1865 - entre os literatos portugueses.
De um lado estava Antônio Feliciano de Castilho, professor e escritor romântico português. De outro, o grupo de estudantes da Universidade de Coimbra liderados por Antero de Quental – aluno de Antônio Feliciano de Castilho. A “Questão Coimbrã” foi o marco inicial do movimento realista em Portugal. Um “bate boca” entre aluno e mestre.
A forma distinta de encarar a literatura trouxe à tona aspectos de renovação literária associados a questões científicas. O Realismo, portanto, personificou reação aos ideais românticos. Nesse contexto, a Europa vivenciava a Revolução Industrial, sendo influenciada pelo desenvolvimento do pensamento científico de Darwin e pelas doutrinas filosóficas e sociais difundidas por Hegel, Augusto Comte, Marx e Engels. Traços marcantes do Realismo português: objetivismo e cientificismo; materialismo e negação dos sentimentos; reação à monarquia e ao clero; preocupação com o presente.

3. Antero de Quental

Antero Tarquínio de Quental nasceu em Açores (1842). Aprendeu a língua francesa. Frequentou a Faculdade de Direito de Coimbra. Essa faculdade é a mais antiga de Portugal (uma das mais antigas do mundo). Data do século XIII. De acordo com o sítio institucional: "Ao assinar o “Scientiae thesaurus mirabilis”, D. Dinis criava a Universidade mais antiga do país e uma das mais antigas do mundo". A formação tradicionalista e católica do escritor conflitou com as ideias circulantes no meio acadêmico. Terminando o curso, dirige-se à França com o propósito de operacionalizar a doutrina socialista em que acreditara.
De volta à pátria, participa do grupo Cenáculo e das Conferências do Cassino Lisbonense. Desencanta-se com o socialismo. Padecendo de depressão, suicida-se em 11 de setembro 1891 em sua terra natal. Escreveu: Odes Modernas; Primaveras Românticas; Sonetos Completos; Raios de Extinta Luz; Prosas.
Destaque-se trabalho acadêmico, em nível de mestrado, aprovado com distinção pela Universidade Federal de Pernambuco, que tece diálogos poéticos entre Antero de Quental e Augusto dos Anjos. De acordo com Lima (2007, p. 131):
Ambos, poetas pensadores deslocados dos seus tempos, contemporâneos nossos. Antero pelo discurso ético-político e poético, buscando os mistérios do Ser e do Universo; Augusto estético e filosoficamente ‘despertando’ o Humano para as interrogações da vida, da morte que o espreita, da Natureza que o torna Ser. Nos versos transgressores a revelação de um mundo e de um eu trágicos, não mais iludidos, ‘reais’ e abertos às transformações.

A modernidade por eles posta e exposta, mediante rupturas estéticas, temáticas e linguísticas, veio a ser antítese do modelo vigente nos seus contextos histórico-literários. Inovadores, pois, no modo de pensar e criar a arte na modernidade luso-brasileira.

Referências
ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. Rio de de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
LIMA, Neilton Limeira Florentino de. Diálogo poético entre Antero de Quental e Augusto dos Anjos: a modernidade luso-brasileira. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CAC. Teoria da Literatura, 2007. Disponível em: <http://livros01.livrosgratis.com.br/cp071445.pdf>. Acesso em: 15.abr.2019.
QUADROS, Jânio. Curso prático da língua portuguesa e sua literatura. São Paulo: Formal, 1966.
SHRADY, Nicholas. O último dia do mundo: fúria, ruína e razão no grande terremoto de Lisboa de 1755. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.
<https://www.uc.pt/sobrenos/historia>. Acesso em: 15.abr.2019.
<https://www.ebiografia.com/augusto_anjos/>. Acesso em: 15.abr.2019.

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