Por Ana Paula Gomes
Professora,
jurista e escritora cearense
Contato:
@engenhodeletras
(Jul.2020)
Estas
linhas se propõem a refletir sobre a forma de enfrentamento ao (à)
COVID-19 em solo brasileiro. De modo algum, nega-se a existência da
doença, suas consequências e a imprescindibilidade de prevenção.
Analisar-se-á a forma como os mandatários públicos geriram o
poder, no combate ao vírus “importado”.
A
título de ambientação do problema, recordem-se catástrofes
mundiais – retroagindo apenas ao século XX: Primeira Grande
Guerra, Segunda Grande Guerra, Guerra Fria e seus consequentes. De
fato, o homem é mais perigoso e destrutivo que qualquer vírus e/ou
bactéria.
Ilustre-se,
agora, o que se relaciona à imposição de sanções individuais e à
minoração de liberdades fundamentais no Brasil após o (a)
COVID-19: uso compulsório de máscaras, confinamento domiciliar
forçado, imposição de multas por decretos, toque de recolher,
prisões por supostos descumprimentos a normas sanitárias, vedação
ao exercício do trabalho/atividades produtivas, óbices
governamentais às diversas manifestações de fé.
Tudo
isso ocorreu (mais ou menos) no Brasil a partir de março de 2020,
sob o mantra da tutela do bem comum (conceito jurídico, por sinal,
indeterminado). É preciso refletir a respeito. Não se nega a
relevância do bem-estar coletivo – razão de ser do voluntariado
(3º setor) – a partir do ideal de alteridade, o que não obstante,
é assaz distinto do temário precedente de ofertar “carta branca”
ao gestor público de plantão para cercear interesses jurídicos
(elementares) de sua gente.
Hoje,
pode-se até concordar com o argumento, mas amanhã? Será se o Poder
Público “acertará” sempre? Por outro lado, pode-se afirmar que
“acertou” na forma como lidou com a pandemia? O interesse público
primário não demanda construção - em regime afirmado como
democrático?
Que
está a acontecer nesse pandemônio? - Delegação irrestrita de
poderes ao setor público sob a bandeira do “coletivismo”.
Permutou-se o trato espontâneo da questão (como ocorrera há uma
década no surto de H1N1) por experimentos sociais determinados por
cada um dos governantes. Por seu turno, eis alegação useira e
vezeira: salvar vidas e coibir o colapso do sistema público de saúde
(como se este já não estivesse colapsado há tempos).
Essa
“descentralização” das ações causou (e causa) imensa confusão
no país. O estandarte do bem comum olvidou o primordial: igualdade
em sentido material (os desiguais hão de ser tratados de modo
desigual, respeitadas as desigualdades). Não se pode gerenciar a
sociedade como vetor físico – como ocorreu no gerenciamento do
(da) COVID-19.
Dito
de outro modo: no enfrentamento da pandemia, no Brasil, seres humanos
foram tratados como “massa política” a serviço do interesse
estatal. A raiz histórica do fenômeno remonta a Rousseau com a
ideia de volonté générale (sociedade como corpo único), o
que ceifou milhares de vidas na guilhotina na época da Revolução
Francesa.
Ora,
com a Revolução Americana (preponderantemente liberal), matriz
histórica imbricada ao que se convencionou denominar
“Constitucionalismo”, restringiu-se o poder absoluto estatal pelo
sistema de freios e contrapesos, o que remonta a Aristóteles e a
Montesquieu.
Hoje,
todavia, com o caos estabelecido, as pessoas – amedrontadas ante o
risco iminente de perder a própria vida e a de entes queridos –
não se sentem violadas com a hipertrofia governamental em suas
rotinas. Como cordeiros rumos à expiação (lembrando Hannah
Arendt), deixam fragilizar suas liberdades em cabal efeito rebano
(recordando, agora, Nietzsche). E o pior, não se apercebem serem
vítimas também do sensacionalismo midiático de quinta categoria.
A
dignidade humana se curva ao serem espoliados trabalho e produção.
Portanto, máximo cuidado quando um político “fala em nome da
ciência”. Os sofismas de toda sorte são corriqueiros. Há
perceptível disjunção entre política e conhecimento científico.
A ciência se embasa em princípios, métodos, objeto específico e,
de certa forma, fragilidades monitoradas, humildade e dúvida
metódica. A política, diferentemente opera, em jogos de interesses
(rent seeking), não raro, inescusáveis.
Na
Alemanha de Hitler, a ciência também foi “apropriada” pelo
partido hegemônico, sendo o substrato da suposta superioridade
racial do povo ariano. Consequentemente, capitaneou a tese de espaço
vital – uma das razões para eclosão do conflito bélico de
efeitos devastadores humana e internacionalmente.
***
(Continuará em breve)
Nenhum comentário:
Postar um comentário