segunda-feira, 13 de julho de 2020

Reflexões preliminares sobre o enfrentamento do (a) COVID-19 no Brasil (parte I)


Por Ana Paula Gomes
Professora, jurista e escritora cearense
Contato: @engenhodeletras
(Jul.2020)

Estas linhas se propõem a refletir sobre a forma de enfrentamento ao (à) COVID-19 em solo brasileiro. De modo algum, nega-se a existência da doença, suas consequências e a imprescindibilidade de prevenção. Analisar-se-á a forma como os mandatários públicos geriram o poder, no combate ao vírus “importado”.

A título de ambientação do problema, recordem-se catástrofes mundiais – retroagindo apenas ao século XX: Primeira Grande Guerra, Segunda Grande Guerra, Guerra Fria e seus consequentes. De fato, o homem é mais perigoso e destrutivo que qualquer vírus e/ou bactéria.

Ilustre-se, agora, o que se relaciona à imposição de sanções individuais e à minoração de liberdades fundamentais no Brasil após o (a) COVID-19: uso compulsório de máscaras, confinamento domiciliar forçado, imposição de multas por decretos, toque de recolher, prisões por supostos descumprimentos a normas sanitárias, vedação ao exercício do trabalho/atividades produtivas, óbices governamentais às diversas manifestações de fé.

Tudo isso ocorreu (mais ou menos) no Brasil a partir de março de 2020, sob o mantra da tutela do bem comum (conceito jurídico, por sinal, indeterminado). É preciso refletir a respeito. Não se nega a relevância do bem-estar coletivo – razão de ser do voluntariado (3º setor) – a partir do ideal de alteridade, o que não obstante, é assaz distinto do temário precedente de ofertar “carta branca” ao gestor público de plantão para cercear interesses jurídicos (elementares) de sua gente.

Hoje, pode-se até concordar com o argumento, mas amanhã? Será se o Poder Público “acertará” sempre? Por outro lado, pode-se afirmar que “acertou” na forma como lidou com a pandemia? O interesse público primário não demanda construção - em regime afirmado como democrático?

Que está a acontecer nesse pandemônio? - Delegação irrestrita de poderes ao setor público sob a bandeira do “coletivismo”. Permutou-se o trato espontâneo da questão (como ocorrera há uma década no surto de H1N1) por experimentos sociais determinados por cada um dos governantes. Por seu turno, eis alegação useira e vezeira: salvar vidas e coibir o colapso do sistema público de saúde (como se este já não estivesse colapsado há tempos).

Essa “descentralização” das ações causou (e causa) imensa confusão no país. O estandarte do bem comum olvidou o primordial: igualdade em sentido material (os desiguais hão de ser tratados de modo desigual, respeitadas as desigualdades). Não se pode gerenciar a sociedade como vetor físico – como ocorreu no gerenciamento do (da) COVID-19.

Dito de outro modo: no enfrentamento da pandemia, no Brasil, seres humanos foram tratados como “massa política” a serviço do interesse estatal. A raiz histórica do fenômeno remonta a Rousseau com a ideia de volonté générale (sociedade como corpo único), o que ceifou milhares de vidas na guilhotina na época da Revolução Francesa.

Ora, com a Revolução Americana (preponderantemente liberal), matriz histórica imbricada ao que se convencionou denominar “Constitucionalismo”, restringiu-se o poder absoluto estatal pelo sistema de freios e contrapesos, o que remonta a Aristóteles e a Montesquieu.

Hoje, todavia, com o caos estabelecido, as pessoas – amedrontadas ante o risco iminente de perder a própria vida e a de entes queridos – não se sentem violadas com a hipertrofia governamental em suas rotinas. Como cordeiros rumos à expiação (lembrando Hannah Arendt), deixam fragilizar suas liberdades em cabal efeito rebano (recordando, agora, Nietzsche). E o pior, não se apercebem serem vítimas também do sensacionalismo midiático de quinta categoria.

A dignidade humana se curva ao serem espoliados trabalho e produção. Portanto, máximo cuidado quando um político “fala em nome da ciência”. Os sofismas de toda sorte são corriqueiros. Há perceptível disjunção entre política e conhecimento científico. A ciência se embasa em princípios, métodos, objeto específico e, de certa forma, fragilidades monitoradas, humildade e dúvida metódica. A política, diferentemente opera, em jogos de interesses (rent seeking), não raro, inescusáveis.

Na Alemanha de Hitler, a ciência também foi “apropriada” pelo partido hegemônico, sendo o substrato da suposta superioridade racial do povo ariano. Consequentemente, capitaneou a tese de espaço vital – uma das razões para eclosão do conflito bélico de efeitos devastadores humana e internacionalmente.

***

(Continuará em breve)

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